2006, Roberta Dias Campos, Itinerários de Consumo

Possibilidades de Contribuição da Sociologia ao Marketing: Itinerários de Consumo

 

Resumo: O presente artigo tem por objetivo apresentar o método dos itinerários (DESJEUX, 2000), uma ferramenta de pesquisa utilizada no campo da sociologia para investigação do consumo como analisador da sociedade. Na área de marketing, e mais especificamente na pesquisa do comportamento do consumidor, o método possibilita investigar não apenas o ato da compra, mas todo o processo que envolve o consumo dentro de uma perspectiva sistêmica. O trabalho apresenta a origem do método, seus pressupostos e sua dinâmica de funcionamento, bem como exemplos de pesquisas realizadas no Brasil e na França a partir da sua aplicação. Com um foco nos gestos e práticas dos consumidores, mais do que nos seus discursos, o método dos itinerários tem a possibilidade de revelar lógicas de funcionamento sobre as quais os entrevistados sequer se davam conta, mas que, mesmo assim, determinam o seu comportamento cotidiano. O conhecimento gerado por esse tipo de pesquisa pode trazer contribuições, por exemplo, para áreas como desenvolvimento de novos produtos e design de embalagens.

1- Introdução

 

Muitas propostas de abordagens ou métodos na pesquisa em comportamento do consumidor são reflexos de pressupostos e desafios teóricos vivenciados por pesquisadores no seu tempo (SHERRY, 1983; HIRSCHMAN, 1986; ANDERSON, 1986; BELK, SHERRY E WALLENDORF, 1988; DHOLAKIA, 1988). Assim, na área de comportamento do consumidor, novos temas e métodos de pesquisa têm sido sugeridos e adotados – não sem polêmicas ou desconfianças (SZMIGIN E FOXALL, 2000) – na medida em que se modifica e amplia a própria definição de consumo (BAUMAN, 2005).

 

O que acontece com a pesquisa do consumidor a partir da década de 80 parece semelhante ao que aconteceu ao marketing nos anos 70 em relação ao desenvolvimento do seu arcabouço teórico e conceitual, quando ocorreram grandes debates sobre a abrangência do marketing e sobre a construção de seu conceito (KOTLER E LEVY, 1969; LUCK, 1969; KOTLER, 1972;). O significado do marketing depende de quem o define (KERNAN, 1987) e, assim como o marketing, o estudo do comportamento do consumidor tem se mostrado flexível para receber propostas e absorver mudanças de acadêmicos ou profissionais que se dedicam à pesquisa na área de comportamento do consumidor.

 

A partir de mudanças, essa área de conhecimento, pouco a pouco, parece deixar de lado a ênfase nos conceitos e princípios econômicos e da psicologia, ao mesmo tempo em que abre espaço também às contribuições de áreas como sociologia e antropologia (MCCRACKEN, 2003). Ainda que timidamente, alguns pesquisadores (HIRSCHMAN E HOLBROOK, 1981; HIRSCHMAN, 1990; MARSDEN E LITTLER, 2000) buscam uma nova prática e parecem acolher a sugestão de Zaltman (2003), “dando uma volta” em outros campos para buscar novos caminhos de pesquisa. Buscam compreender, por exemplo, emoções (BAGOZZI et al., 1999), afetos (EREVELLES, 1998), o hedonismo (O’SHAUGHNESSY E O’SHAUGHNESSY, 2002) ou o fogo do desejo e da paixão (BELK et al., 2003) que envolvem o ato de consumir.

 

O presente artigo se insere na busca de uma visão ao mesmo tempo mais profunda e contextualizada a respeito das escolhas de consumo, apresentando o método dos itinerários Desjeux (2000), uma contribuição da Sociologia que vem sendo utilizada empiricamente para a investigação do consumo e dos consumidores. O método dos itinerários apresenta-se como uma ferramenta de pesquisa que reflete na sua estrutura uma visão que vai além do momento da compra, incluindo a interação entre o consumidor e o bem antes e depois da aquisição.

 

Antes de apresentar o método e alguns exemplos de sua utilização prática, este trabalho retoma, ainda que de forma sucinta, o contexto de mudanças no conceito de consumo e, conseqüentemente, na pesquisa na área de comportamento do consumidor com o interesse por novas metodologias.

2- Sobre a ampliação do conceito de consumo

 

Douglas e Isherwood (2002) e McCraken (2003) foram autores que, nas décadas de 70 e 80, respectivamente, chamaram a atenção para o fato de que, no campo das ciências humanas, o consumo não foi um tema muito estudado se comparado, por exemplo, como a pesquisa sobre o universo da produção – tema igualmente pertinente ao mundo contemporâneo e presente em tradicionais linhas de estudo de diversas disciplinas. Desta forma, a investigação sobre o consumo parece oferecer um longo caminho a ser ainda percorrido.

 

O sociólogo, diferente de outros cientistas sociais, não se dedicou, com freqüência, ao estudo do consumo (GOFTON, 1986). Os textos que analisam as influências de fatores sociais no comportamento de consumo têm sido produzidos, em sua maior parte, por pesquisadores da área de marketing. Uma das explicações colocadas por Turner (1982) é de que a sociologia tradicionalmente tem encontrado dificuldades em lidar com fenômenos fundamentados em necessidades que possuem infinitas variações ou caracteristicamente óbvios para ser alvo de suas análises como, por exemplo, as necessidades associadas à esfera doméstica, comparativamente de menor status do que as esferas política e econômica preferidas pelos sociólogos.

 

Dentro das ciências sociais, McCraken (2003) analisa particularmente mudanças que aconteceram tanto na Antropologia quanto na área de Comportamento do Consumidor, que viabilizaram a aproximação entre esses campos de estudo e o desenvolvimento de um olhar renovado sobre o consumo. Na área de marketing, o autor lembra que pesquisadores como Belk, Friedman, Hirschman e Holbrook, Kassarjian e Mayer postularam, através de seus trabalhos, uma abertura para conceber e descrever o consumo dentro de sua condição cultural. Nessa visão emergente, o comportamento de compra vai além da escolha na prateleira, para contemplar ainda a relação do consumidor com os bens antes e depois da compra. Também foi ampliada a perspectiva de análise, ultrapassando a preocupação corrente com o “processo de tomada de decisão” (MCCRAKEN, 2003, p. 13) de cunho racional, para incluir aspectos afetivos, simbólicos e cognitivos do comportamento. Além disso, gradualmente, o campo de estudo vem se desprendendo de uma perspectiva individualista do consumidor para considerar relações sociais e contextos culturais envolvidos e impactados pelo ato de consumo.

 

A antropologia e sociologia são consideradas áreas de conhecimento que testemunharam mudanças em sua relação com a investigação do consumo como tema de pesquisa. Isso parece ser conseqüência de alguns acontecimentos. Em primeiro lugar, a cultura material surgiu nos últimos tempos como um tema de crescente interesse na comunidade científica e contribuiu para desenvolver o estudo dos bens de consumo. Além disso, as próprias disciplinas vêm se instrumentalizando para o estudo dos bens culturais através do desenvolvimento de teorias da cultura e do simbolismo dos bens culturais (MILLER, 1987; MCCRAKEN, 2003).

 

Assim, estudos na área de comportamento do consumidor caracterizam-se por buscar em outras áreas de conhecimento possíveis pistas para entender o comportamento de consumo (SHETH et al, 1988). Diversos autores (MCCRAKEN, 2003; DESJEUX, 2000, COVA E COVA, 2002; ROCHA, 2002; BARBOSA, 2003; CARVALHO, 2003 CASOTTI, 2004) vêm sinalizando para os benefícios de se estreitar parcerias mais específicas entre os campos da antropologia e da sociologia com os estudos sobre o comportamento do consumidor.

 

3- Sobre o consumo como trocas simbólicas

 

Consumidores constroem suas identidades a partir de suas posses? O’Shaughnessy e O’Shaughnessy (2002) discutem essa idéia de que as posses são símbolos materiais que explicam a mudança de uma produção em massa para o marketing diferenciado. No entanto, observam que o autoconceito inclui a história de vida (SCCHIFFER, 1998) e muitos outros aspectos tais como o status sócio-econômico, a religião, a etnia, o trabalho e os papéis desempenhados. Firat et al (1997) falam que não é possível pensar em apenas um “eu” e, sim, em vários e em diferentes momentos de consumo.

 

Estudar o consumo sob o prisma das trocas simbólicas que encena oferece uma linha de pesquisa nova e mais afinada com a posição de destaque que o consumo ocupa na sociedade contemporânea. Neste âmbito, o consumo é um fenômeno eminentemente cultural. McCraken (2003, p.11), por exemplo, afirma que:

 

Os bens de consumo nos quais o consumidor desperdiça tempo, atenção e renda são carregados de significado cultural. Os consumidores […] usam o significado dos bens de consumo para expressar categorias e princípios culturais, cultivar ideais, criar e sustentar estilos de vida, construir noções de si e criar (e sobreviver a) mudanças sociais.

 

Esta visão contrapõe uma perspectiva usual que entende o consumo como sintoma de uma sociedade infeliz e materialista, onde este viraria objeto privilegiado para condenação – como algo alienador, no limite da doença – neste discurso apocalíptico (ROCHA, 2002, p. 02).

 

Para alguns autores (MCCRAKEN, 2003; ROCHA 2002), o consumo deveria ser, ao contrário, encarado como um elemento essencial ao funcionamento de nossa sociedade, e que, sem os bens de consumo, seus integrantes teriam dificuldade de fazer circular significados e construir a ordem de funcionamento de seu universo social. Rocha (2002) lembra que, ultrapassada a barreira econômica do poder de compra, “as diferenças simbólicas e culturais começam a se desenhar” (p.01) e “a escolha de consumo torna-se completamente dependente da ordem cultural, de sistemas simbólicos e de necessidades classificatórias.” (p. 02). 

 

Garabuau-Massaoui e Desjeux (2000) parecem partir desta premissa e utilizam nas suas pesquisas o consumo como ferramenta de análise ou analisador da sociedade que o pratica. Dessa forma, ele inaugura uma linha de pesquisa em sociologia que parte do princípio de que, através da manipulação, escolha e movimento de bens de consumo, os mecanismos de pertencimento, de identidade, de integração e exclusão social, da mobilidade ou evolução social e de distinção social se tornam evidentes. O consumo, embebido em sua condição social e cultural, pode revelar ao pesquisador – que o olha do avesso – regras sociais de funcionamento do grupo que o pratica.

 

Desjeux (2000) coloca ainda um elemento adicional na questão das trocas simbólicas. Ele sugere que o consumo deva ser encarado como um processo, um sistema que se realimenta continuamente, tendo início com a produção do bem e finalizando com o descarte do mesmo. Este enfoque do conceito de consumo pede, segundo o autor, uma revisão crítica no campo do comportamento do consumidor, que estaria essencialmente concentrado no comportamento de compra, ou seja, na esfera da produção/distribuição. McCraken (2003, p.11) parece corroborar com essa perspectiva sistêmica de Desjeux quando observa que consumir são processos pelos quais bens e serviços de consumo são criados, comprados e usados. O método dos itinerários (Desjeux, 2000) se fundamenta nesta perspectiva sistêmica e cultural do fenômeno do consumo.

 

4- Sobre o Método dos Itinerários (DESJEUX, 2000 / 2006)

 

O método dos itinerários é uma abordagem do ritual de consumo que intenciona colocar em foco o sistema de ações encadeadas que antecedem e sucedem o momento em que o produto ou serviço é consumido. Ele entende a tomada de decisão do consumidor não como uma decisão arbitrariamente individual a um dado momento, mas como um processo coletivo no tempo.

 

O método é resultado de mais de vinte anos de pesquisas empíricas, realizadas não apenas na França e na Europa, como também em contextos culturais bastante distintos como Madagascar, Congo e China. Do ponto de vista teórico, o método dos itinerários, tal como aplicado por Desjeux e seus colaboradores em diversos trabalhos de pesquisa (consommations-et-societes.fr), consiste em uma transposição de modelos do campo da sociologia das organizações, de Michel Crozier (1963), especialmente por sua ótica do consumo como sistema de ação e do entendimento da compra como fruto de um processo estratégico de decisão.

 

Esta metodologia se inspira nos itinerários técnicos utilizados em pesquisa de campo na área de agronomia, onde são descritas, através de um fluxo, as diversas tarefas a serem realizadas em um dado período de tempo. O princípio que norteia esta prática está em acumular observações qualitativas dentro de um mesmo quadro comparativo dos itinerários. O objetivo da investigação é evidenciar a diversidade de ocorrências dentro da estrutura do itinerário.

 

Para sua aplicação adequada e para a compreensão do tipo de contribuição que o emprego do método dos itinerários pode fornecer à investigação em marketing, é necessário que sejam expostos os pressupostos segundo os quais o método opera. São eles: a perspectiva ou escala micro social, a abordagem pela cultura material e a concepção do consumo como um sistema.

 

4.1- Escalas de observação

 

A compreensão da sociedade pode se dar segundo escalas diversas de observação dos fenômenos sociais. Cada escala oferece uma perspectiva diferente sobre os fenômenos investigados por cada ciência. No nível macro social, observam-se fenômenos relativos à geopolítica, grandes grupos populacionais, dados macroeconômicos, classes sociais, grupos de gênero, estilos de vida. Nesta escala temos ciências como a economia, a demografia e por vezes a sociologia. Na escala micro social, a perspectiva sobre os fenômenos permite perceber a interação de indivíduos em seus grupos específicos e suas relações sociais. Esta é a perspectiva da antropologia e da sociologia micro social. Por fim, na escala micro individual, a perspectiva recai sobre o indivíduo como objeto de estudo, buscando entender seu processo individual de tomada de decisão, suas motivações e processos inconscientes. Aqui estamos no domínio de disciplinas como a psicologia e a psicanálise.

 

A perspectiva oferecida pelas escalas de observação para a leitura das correntes teóricas nas ciências humanas sugere que muitas discordâncias teóricas seriam advindas mais do uso de escalas diferentes do que de uma discordância de fato. O método dos itinerários é descrito como tendo uma postura metodológica relativizadora, posto que os resultados das pesquisas estão associados à escala selecionada. Normalmente, nos trabalhos com a metodologia, a opção é pela escala micro social, onde itinerários são mapeados e observados. Portanto, a aplicação do método dos itinerários se dá no contexto de uma investigação qualitativa, entrevistando em profundidade os indivíduos e observando sua interação social cotidiana. Sob esta perspectiva, o pesquisador poderá entrar em contato com a diversidade de práticas no universo social investigado.

 

4.2- A abordagem pela cultura material

 

Feita esta primeira definição, outras escolhas são determinantes para a aplicação do método dos itinerários. A abordagem se concentra no aspecto concreto do universo social, ou seja, nas práticas dos indivíduos e na cultura material (MILLER, 1987; WARNIER, 1999) envolvida na situação. A linha de pesquisa de Desjeux (2000) privilegia o universo dos objetos e práticas em detrimento da dimensão simbólica das marcas e das representações. Ao se inclinar sobre o consumo, seu olhar observa os movimentos das coisas, os gestos realizados, os espaços e suas regras de ocupação. Seu método dá menos atenção ao discurso – explicações, justificativas, razões, palavras empregadas pelos entrevistados –, preferindo extrair os dados das práticas banais e cotidianas.

 

O conceito de cultura material foi lançado por Miller (1987), inspirado em trabalhos preliminares de outros autores (DOUGLAS E ISHERWOOD, 1979; APPADURAI, 1986; BOURDIEU, 1972) e se concentra no estudo da relação dinâmica entre objeto(s) e sujeito(s). Para Miller (1987, p.28), o sujeito se exterioriza através de um ato criativo de diferenciação que manipula ou incorpora objetos por ele criados ou recriados. Warnier (1999) apresenta uma outra perspectiva sobre a relação sujeito-objeto que ele chama de subjetivação (subjetivation), onde a incorporação de objetos, somados aos gestos, contribuirá para construir para cada sujeito a sua identidade. Desta forma, os dois autores falam, sob olhares diferentes, da relação que o sujeito pode empreender com o objeto de maneira a construir sua identidade social. A cultura material seria aqui reveladora das relações humanas por ser continuamente manipulada, incorporada e investida de significado. Como resumem Garabuau-Massaoui e Desjeux (2000 p.27): a cultura material e a cultura social se enlaçam para formar uma identidade social dinâmica, que o ator social incorpora, entre outras coisas, pelos objetos, por seus usos, e pelo sentido que constrói a partir deles.

 

O método dos itinerários parte da relevância da cultura material nas relações sociais, mas utiliza em seu caminho de investigação o mapeamento de objetos e espaços que compõem o meio do grupo pesquisado. Regras de movimentação, uso e presença dos objetos de consumo são inventariadas. A manipulação é colocada em sistemas explicativos que terminam por revelar um sistema de objetos, um grupo de coisas que acontecem juntas. Essa descrição sistemática passa a evidenciar regras de funcionamento do universo social bem como o funcionamento do meio social que constrói o contexto para essa materialidade. A implicação prática dessa escolha de investigação através dos objetos e da cultura material determina que a pesquisa seja realizada no local onde se realizam as práticas de consumo e onde são manipulados e guardados os objetos. As entrevistas pedem a realização de uma observação simultânea, aonde as palavras vão sendo ilustradas pelos objetos, cuja presença inclusive pode permitir que o respondente seja mais preciso, mais fiel à realidade.

 

A escolha por uma investigação que utiliza objetos como elemento central busca ainda minimizar desvios e elaborações artificiais que uma pesquisa apenas baseada no relato verbal do indivíduo pode gerar. Assim, o foco nos objetos termina sendo paralelamente um recurso para deslocar a atenção do respondente. Este não se percebe mais como o centro da investigação, mas como alguém que descreve coisas de menor importância – os objetos. Dessa forma, o entrevistado passa a falar com mais espontaneidade. Um exemplo célebre deste recurso é o trabalho de Kaufmann (1992) onde o estudo da roupa – a ser separada, lavada, passada e guardada – revela a interação dos casais, tornando evidentes no processo de manipulação dessa materialidade as negociações, valores, processos e relações que se estabelecem. O entrevistador, ao invés de perguntar diretamente sobre as relações conjugais (objetivo final da pesquisa), convida os entrevistados a descreverem o processamento da roupa a ser lavada, tornando desta forma as respostas menos sujeitas à auto-censura que o respondente faria a si mesmo ao falar de sua relação com o cônjuge.

 

4.3- O consumo como sistema

 

Por fim, a aplicação do método dos itinerários pressupõe uma visão sistêmica do consumo. Ele não seria apenas o momento em que o bem é utilizado, mas todo o processo que tem início no momento em que o consumidor decide pela compra até o momento em que os restos são descartados. Essa compreensão do consumo como sistema, como processo, como fluxo de etapas é fundamental para a renovação do olhar sobre o fenômeno e para a discussão de novas metodologias para estudá-lo.

 

Muitas vezes, em espaços menos nobres ou desinteressantes do processo de consumo, como a estocagem ou mesmo o descarte, pode estar um grande número de pistas para a compreensão da relação do sujeito com este ato de consumo. A perspectiva do consumo como processo e a investigação de cada uma de suas etapas pode trazer novos elementos para se entender o ato do consumo de maneira mais completa e abrangente.

 

5- Sobre a aplicação do método dos itinerários (DESJEUX, 2000)

 

A concepção sistêmica de consumo pressupõe que as decisões de compra pelos consumidores não devam ser consideradas como decisões em um momento preciso e, sim, como um processo no tempo. A decisão de compra “se constrói ao longo de um itinerário temporal e espacial feito de interações sociais […], submetida a uma séria de limitações materiais (logística, área disponível, custo) e sociais (normas) e em função de um ou vários universos simbólicos” (DESJEUX, 2000, p. 04). O método dos itinerários é, portanto, uma intenção de reproduzir metodologicamente esta dinâmica do consumo.

 

O método dos itinerários caracteriza-se pela descrição de sete etapas que compõem o processo de consumo. Normalmente, para cada universo investigado, tais etapas podem ser identificadas. O método, no entanto, admite adaptações e inserção de etapas adicionais de acordo com a dinâmica específica a cada situação.

 

Etapa 1 – A decisão de compra no contexto das relações sociais: como, por exemplo, a decisão em um domicílio (elaboração de listas de compra, pressões e chantagens, rotina da decisão, atores envolvidos, influenciadores).

 

Etapa 2 – O transporte até o local de compra: o meio de transporte das pessoas e dos bens comprados do local de compra ao local de consumo, determinando a quantidade e a freqüência das compras em questão.

 

Etapa 3 – A compra: esta é uma das etapas mais bem conhecidas pelas pesquisas de marketing e vendas. É o momento em que o consumidor se depara com o produto exposto em sua área de venda, uma gôndola, uma vitrine, um balcão.

 

Etapa 4 – A estocagem do bem comprado: trata-se de observar todos os espaços e formas de estocar o bem investigado como, por exemplo, na geladeira, nas gavetas ou nos armários. Observam-se também as regras envolvidas, as pessoas responsáveis, a proximidade com outros objetos e a acessibilidade por outros membros do domicílio.

 

Etapa 5 – O preparo para consumo: Etapa imediatamente anterior ao consumo do bem. Trata-se de tornar o bem apto a ser consumido. Pode ser o simples desembalar do produto, a refrigeração ou outros procedimentos que façam a intermediação do bem em seu estado de estoque ou compra para o bem em seu estado de consumo.

 

Etapa 6 – O consumo: Momento, de fato, do uso ou do consumo do produto ou objeto.

 

Etapa 7 – O descarte: Etapa em que se descartam os restos provenientes do consumo do objeto, sejam embalagens ou restos do objeto em si. Investigam-se os procedimentos para descarte, os responsáveis no domicílio, os recursos utilizados para tanto.

 

Cada etapa do itinerário de consumo deve ser analisada de forma individualizada e, também, como parte do sistema dos itinerários, ou seja, em uma ótica que contempla a relação de uma determinada etapa com as demais. Será desta forma que o método poderá oferecer uma visão mais complexa do fenômeno de consumo que pretende investigar.

 

Além da observação da trajetória de consumo que realiza o objeto, o método dos itinerários sugere que seja descrita a ocupação do espaço pelos objetos e como se dá ali o movimento dos mesmos. Coloca assim que, para certos objetos, sua localização é socialmente codificada, e que pode ser descrita, em geral, segundo três categorias. A presença de um dado objeto pode ser permitida em um dado local, pode ser proibida em outro e, por fim, pode ser obrigatória ou recomendada em um terceiro. Ao longo das entrevistas individuais em profundidade, é observada essa gestão dos objetos no espaço, entendendo-se onde cada objeto é manipulado, o que termina por revelar as relações sociais que os atravessam e os utilizam.

 

Por ser um método qualitativo indutivo, parte-se para o campo sem premissas sobre o que se espera encontrar ao final da investigação. É a partir das observações realizadas dentro do sistema proposto dos itinerários que se construirão esquemas descritivos da realidade estudada.

 

O método se diferencia da etnografia, utilizada nos trabalhos de campo em antropologia, por não prever uma imersão completa do pesquisador no universo investigado ou exigir que este permaneça longamente junto a um dado grupo, num levantamento exaustivo. O método dos itinerários é aplicado em trabalhos de campo de mais curto prazo, com uma duração de algumas horas por entrevista. O objetivo é observar mais diretamente a dinâmica dos bens de consumo manipulados, dentro do quadro proposto das etapas dos itinerários. Ainda que diverso da etnografia, o método utiliza alguns recursos comuns, como a entrevista em profundidade, a observação, a catalogação de objetos e a perspectiva indutiva.

 

Cada entrevista deve ser realizada no local onde estão objetos e pessoas investigados, ou seja: o objeto de estudo deve ser investigado em seu contexto. Desjeux e seus colaboradores utilizam muitas vezes o recurso da fotografia como forma de registro dos espaços, objetos e práticas, podendo assim travar contato com a cultura material e com os gestos dos indivíduos, sem precisar sempre passar pelos discursos de seus informantes e suas representações.

 

A entrevista também é conduzida através da concentração de perguntas e respostas na trajetória dos objetos, evitando que o entrevistado passe a falar de suas motivações e razões. Será a trajetória dos objetos, livre de explicações, que poderá posteriormente apresentar a dinâmica social presente naquele universo.

6- Sobre a prática do método dos itinerários

 

A seguir serão apresentados os resultados de pesquisas realizadas na França e no Brasil que utilizaram o método dos itinerários como ferramenta de investigação. Seus achados sugerem caminhos de contribuição desta perspectiva à investigação do consumidor e das práticas de consumo em marketing.

Uma antropologia do medicamento na França

 

O método dos itinerários foi aplicado por Vincent (2005) à cultura material dos medicamentos nos domicílios franceses de respondentes com idade entre 20 e 40 anos. Realizou-se um mapeamento da presença do medicamento nos diversos cômodos da casa que aponta para uma ambivalência da percepção do remédio. Por um lado, o remédio é uma substância que cura doenças e, portanto, é envolvida em um imaginário positivo e benéfico. Mas, por outro lado, o remédio, se dosado em excesso ou incorretamente, pode causar efeitos colaterais indesejáveis. Além disso, a autora estabelece níveis de classificação dos diferentes tipos de remédio que estariam associados à posição percebida do mesmo dentro desta dicotomia risco – cura / benefício. Cada tipo de remédio, em função de sua classificação na dicotomia cura – benefício encontrará uma localização específica no espaço da casa. O antibiótico é o medicamento que melhor encarna a percepção dicotômica do remédio, pois é percebido como eficaz no processo de cura, mas possui efeitos colaterais relevantes se consumido em excesso. São guardados em locais mais inacessíveis, como caixas no alto de armários. Em seguida, temos os analgésicos como remédios intermediários, benéficos e com efeitos colaterais menos severos. E, por fim, xaropes e pomadas que são percebidos como os mais inofensivos e também os menos eficazes. Produtos que causam menor grau de preocupação ou percebidos como inofensivos são arrumados em locais de livre acesso, como o banheiro, ao lado dos demais produtos de higiene pessoal. Remédios que fazem parte de um tratamento contínuo e que devem ser tomados com regularidade são colocados em locais acessíveis e visíveis, como a cozinha, perto da área do café da manhã.

 

A motivação do trabalho partiu da intenção de explicar em um nível micro social como se dá o consumo de medicamentos na França, investigando especialmente a questão do consumo excessivo, como indicam os números do setor farmacêutico e do governo. O uso do método dos itinerários e da abordagem micro social permitiu uma proximidade com o uso cotidiano dos medicamentos revelando um outro lado da moeda das estatísticas. Argumentou-se após os achados dessa pesquisa que estatísticas, em geral, se limitam a apresentar o momento da compra de medicamentos. Porém apenas depois que o medicamento é levado para casa, torna-se possível, por exemplo, observar o consumo em excesso. No momento do consumo, verifica-se na realidade um subconsumo, que se origina na reticência em abusar do uso de remédios e em última instância a um certo temor dos riscos associados ao consumo de medicamentos.

 

O universo infantil para a Peugeot

 

Para Desjeux (2000), o método dos itinerários freqüentemente acaba por contribuir para áreas mais técnicas, como design de produtos e pesquisa e desenvolvimento. Uma ilustração deste argumento foi a pesquisa realizada por sua equipe em 2003 e 2004 para um estudo encomendado pela Peugeot sobre o universo infantil[1]. Neste caso, não havia um produto em especial sobre o qual concentrar o foco dos itinerários, mas foi realizada uma descrição da presença material no espaço doméstico, com a exploração eventual dos itinerários para objetos de grande relevância neste espaço. A pesquisa foi realizada junto a mães francesas de crianças de até três anos de idade.

 

Essa pesquisa revelou elementos inovadores para a empresa contratante, sugerindo que a área de desenvolvimento de novos produtos deveria se inspirar em espaços do domicílio como o banheiro, mais do que a sala ou o quarto da criança. No banheiro, o que foi verificado na relação entre mãe e criança é que esta é banhada sem perceber, pois todos os objetos associados à obrigação do banho estão disfarçados em brinquedos. Assim, a criança acredita estar em um universo lúdico, quando na realidade está cumprindo a obrigação de limpeza,  – o que pela presença de artifícios como o xampu no formato de peixe ou a saboneteira “urso” parecem ser menos conflitantes que as obrigações de alimentar-se ou dormir, por exemplo. No carro existe uma tensão semelhante. A criança precisa ser transportada, por vezes por longos períodos, sentada e seguindo condições de segurança (no banco traseiro, com cinto, em sua cadeira especial). Neste caso, a exemplo do banheiro, novos modelos de carro poderiam “se disfarçar” e transformar esse espaço em um lugar de jogo, onde a criança se imaginaria em uma nave espacial ou com desenhos animados, distraindo-a da obrigação de ser transportada. No caso específico desta pesquisa, a utilização do método dos itinerários e da abordagem dos objetos e gestos envolvidos nesse universo revelou um resultado não esperado pela empresa, e que contradizia o que habitualmente se pensava. Normalmente, o carro está mais associado à sala ou ao quarto, pela ênfase na questão do conforto e aconchego. A associação com o banheiro não era evidente para a empresa nem para os próprios entrevistados e foi através da análise dos objetos que este aprendizado pôde contribuir para uma mudança em como esse consumidor era encarado pela empresa, e assim estimular a área de pesquisa e desenvolvimento a experimentar inovações nos modelos de carro desenhados para famílias.

Um itinerário da compra por catálogo

 

Alguns podem sugerir que uma limitação do método dos itinerários poderia ser a dificuldade de aplicação desta metodologia ao consumo de serviços ou de varejo. O método dos itinerários, por seu enfoque material, poderia se mostrar como mais adequado ao estudo dos bens de consumo. Porém, este estudo fez uma adaptação das etapas dos itinerários a contextos de serviços ou mesmo de varejo, demonstrando que o método pode ser útil também nessas áreas de conhecimento. Uma pesquisa investigou, por exemplo, os itinerários de compras por catálogo para a empresa francesa Trois Suisses (DESJEUX e CLOCHARD, 2006). Nesta pesquisa, o mapeamento dos itinerários revela uma trajetória detalhada do processo de compra por catálogo com nove etapas no total: a entrega do catálogo na caixa de correio, a arrumação do catálogo na casa, a leitura do catálogo, a marcação do catálogo, a decisão entre guardar e descartar, a compra e acompanhamento do processamento do pedido, a recepção dos artigos comprados, a organização dos artigos no domicílio e, por fim, o guardar, presentear ou descartar os artigos comprados. No caso desta investigação, a observação indutiva do processo de compra, regida pela ótica sistêmica do consumo, acabou por incluir etapas pertinentes e específicas ao processo de compra por catálogo, e inexistentes no modelo inicial do método dos itinerários. No caso desta investigação, sua abordagem material não se concentra então em um objeto em particular, mas no conjunto de elementos materiais e práticas implicadas no processo de prestação do serviço. O serviço da compra à distância é avaliado como processo e especialmente estudado nos pontos em que pode ser tangenciado. No caso deste estudo, este enfoque ofereceu contribuições inovadoras ao revelar o catálogo como objeto prescrito ao universo íntimo da casa, associado a momentos de lazer e que promove o elo social e familiar, seja na escolha dos itens a solicitar, seja na troca de presentes comprados pelo processo.

O consumo de Coca-Cola por famílias cariocas

 

Campos (2004) realizou sobre o consumo do refrigerante Coca-Cola com respondentes cariocas com idade entre 14 e 90 anos. A investigação interessou-se pela presença do produto no presente e ao longo de sua vida pregressa. A aplicação do método dos itinerários permitiu desenhar a evolução da presença e da disponibilidade do produto ao longo do tempo (da venda exclusiva em padarias com embalagens pequenas à venda em hipermercados com embalagens família) através dos relatos de compras e transporte para compras. Foi descrita também a evolução da estrutura doméstica para preparo e conservação de alimentos que passa de uma dinâmica de compra e preparo do alimento para o mesmo dia a uma outra onde se pode comprar com antecedência e estocar grandes quantidades de alimentos e bebidas. Por fim, as etapas do consumo e do preparo revelaram as tensões educacionais no seio das famílias e como as diversas gerações foram lidando com a mudança no tempo das relações pais e filhos, regulando os limites do prazer e da obrigação alimentar. A pesquisa explicita que, durante a semana, o objeto Coca-cola é proibido na sala de jantar e novamente permitido quando se tratam de ocasiões de festa e reunião familiar fora da rotina. Essa manipulação evidencia como a relação entre pais e filhos se estabelece na imposição de regras educacionais, alternando a presença de alimentos saudáveis e alimentos prazerosos, determinando assim como essa cultura lida com o prazer e com a obrigação.

 

O uso do método dos itinerários permitiu a exploração de espaços “menos nobres” do consumo do refrigerante – como o estoque ou o descarte – mas que se revelaram ricos em aprendizados sobre aspectos de cada época e do funcionamento dos diferentes grupos sociais. Foram identificados, por exemplo, dois padrões de consumo do refrigerante Coca-Cola através de diferenças nos hábitos de estocagem pelas famílias cariocas. Em casas mais permissivas, onde Coca-Cola podia ser consumida sem restrições, o estoque era feito diretamente na geladeira (pronto para beber) ou em locais de fácil acesso, para reposição do estoque frio até mesmo por crianças. No caso de família com restrições ao consumo do refrigerante, não havia o estoque na geladeira ou no congelador. A bebida era preparada para o consumo apenas na véspera da data marcada para tanto, normalmente em festas ou em dias de receber visitas.

 

O estudo ofereceu ainda uma perspectiva temporal sobre a relação entre os estímulos ambientais (especialmente os estímulos do fabricante do refrigerante com novas embalagens e crescimento dos canais de distribuição) e a manipulação específica do produto no âmbito privado dos lares consumidores cariocas.

A Beleza Feminina no Brasil

 

No Brasil, o método dos itinerários vem sendo utilizado para investigação do universo da beleza feminina2. A opção pela abordagem dos itinerários se deveu pela intenção de abandonar, momentaneamente, a investigação da esfera simbólica do tema para mergulhar no estudo das práticas e produtos que a mulher utiliza em seu universo íntimo. A pesquisa de campo, realizada na cidade do Rio de Janeiro com mulheres com idade entre 17 e 55 anos, revelou uma série de aspectos inéditos da relação da consumidora com a beleza. A pesquisa identificou uma mudança no comportamento feminino quanto ao uso e compra de produtos em função do momento do ciclo de vida em que estas se encontram. Além disso, os itinerários revelaram uma relação peculiar com o estoque e o descarte. Em determinados grupos, foram encontrados verdadeiros “cemitérios de produtos”, em armários de banheiro, aguardando esse momento especial chamado “ocasião para usar” ou a oportunidade de “dar para alguém”. Certos produtos de beleza nunca são descartados, seja por razões emocionais, seja por serem caros ou de difícil obtenção, seja por constituírem um estoque de segurança para a mulher, que pode a qualquer momento ser surpreendida por uma necessidade “inesperada”.

 

7- Considerações Finais

 

O presente artigo buscou apresentar uma nova ferramenta de pesquisa, utilizada no campo da sociologia para investigação do consumo como analisador da sociedade (DESJEUX, 2000). Na área de marketing e mais especificamente na pesquisa do comportamento do consumidor, o método dos itinerários fornece instrumentos para pesquisadores de marketing que perceberam a importância de investigar, não apenas o ato da compra, mas todo o processo que envolve o consumo. Como definido por McCraken (2003), o consumo inclui os processos através dos quais os produtos são criados, comprados e usados. Essa perspectiva sistêmica é materializada por Desjeux (2000) no método dos itinerários.

 

Uma das contribuições que o método pode trazer é a mudança de perspectiva sobre o fenômeno do consumo. Usualmente encarado por seu aspecto de compra ou de uso, o consumo pode ser investigado de forma renovada se considerado como fenômeno complexo, composto de várias etapas que se sucedem dentro de um sistema. Diferentes pesquisas que aplicaram o método sugerem novas e curiosas informações e questões sobre a dinâmica do consumo: como ir alem de estatísticas que, muitas vezes, não revelam intimidades e ambigüidades do consumo? Como identificar inovações e espaços para carros posicionados para famílias? Quais são os itinerários das compras por catálogo ou internet? E os itinerários de diferentes produtos associados à beleza feminina no espaço cotidiano de mulheres?

 

Embora a antropologia ofereça contribuições ao marketing, gerando um olhar que descortina princípios culturais, categorias e aspectos simbólicos envolvidos no consumo, o método dos itinerários apresenta outras possibilidades, igualmente promissoras, detendo-se nas práticas e na cultura material, ou seja, no aspecto concreto do consumo. Ao fazer isso, oferece possibilidades de subsídios complementares ao marketing em seu desafio de compreender o comportamento do consumidor. O uso e manuseio diário dos objetos, os gestos que os cercam, os espaços em que são admitidos configuram restrições ou indicações muito específicas e concretas para áreas como engenharia, desenvolvimento de novos produtos e design de embalagem. Como defende Desjeux (2000), a abordagem do universo concreto do consumo, através do método dos itinerários, pode passar a envolver áreas que não são habitualmente expostas a resultados de pesquisa de cunho antropológico.

 

Outra contribuição do método é o fato de que ele coloca menos ênfase no discurso dos consumidores e mais em seus gestos e práticas. Ainda que muitas vezes o método dependa do relato verbal das pessoas envolvidas, seu enfoque na cultura material e no sistema do consumo acaba por revelar lógicas de funcionamento sobre as quais as pessoas sequer se davam conta, mas que mesmo assim determinam o seu comportamento cotidiano. Para Desjeux (2000, p.11), a relação do indivíduo com o objeto pode ser reveladora de relações sociais na medida em que este pode ser depositário de memórias, emoções, afetividade ou mesmo ser um recurso estratégico no contexto das relações sociais, assim um mesmo objeto pode revelar fenômenos sociais diferentes em função do grupo social que o mobiliza.

 

Para, Garabuau-Moussaoui e Desjeux (2000), o estudo dos bens de consumo e de sua relação com os sujeitos que os manipulam permite revelar novas funções assumidas por esses bens, diferenciadas das funções inicialmente determinadas por seus produtores e vendedores. Quando incorporados ao universo dos consumidores, estes objetos assumem novas funções, muitas vezes diversas – até mesmo contraditórias – daquelas que possuíam quando foram concebidos. Como conseqüência, ainda que o profissional de marketing vislumbre usos e aplicações para determinados produtos, é o consumidor, em seu contexto social e domiciliar, que vai determinar como se dará sua manipulação de fato.

 

Metodologias menos difundidas no estudo do comportamento do consumidor podem criar novas inspirações e possibilitar estratégias mais criativas e eficazes para as empresas. Nesse contexto, o método dos itinerários, criado pelo sociólogo Dominique Desjeux, a partir da necessidade de usar o consumo como ferramenta para entender a sociedade, pode oferecer também um caminho de volta: desvelando, a partir do que se percebe no meio social, mecanismos antes ocultos sobre o consumo. Este novo caminho para pesquisa não pretende explicar itinerários, mas, sim, compreender e admitir. Não se pode limitar a compreensão do consumo a caminhos que pretendem uma linha reta e, sim, ao contrário, deve-se buscar entender o consumo como um fenômeno social e, como tal, rico em contradições, surpresas e múltiplos itinerários. O Brasil e suas inúmeras diversidades culturais apresenta-se como um grande desafio para explorar itinerários de consumo

 

 

[1] Esta pesquisa não foi publicada em revistas acadêmicas, mas uma das autoras do presente trabalho foi membro da equipe de pesquisadores.

2 Pesquisa em fase final de elaboração de relatório de pesquisa.

 

8 – Referências bibliográficas

 

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